Train Spot Guesthouse
Claro que falámos no André. Várias vezes o seu nome veio à baila durante a nossa estadia. Temos a certeza que este sítio lhe encheria as medidas ou, como se diz na sua língua materna, seria o seu “cup of tea”. O André, metade inglês, metade francês, nascido e criado em Portugal, é um verdadeiro trainspotter. E não, não tem nada a ver com as personagens do filme.
Segundo o dicionário é simplesmente “alguém que se interessa por comboios, passa o tempo a visitar estações e a registar o número das locomotivas que vê”. Ou seja, aquele aluno que na escola não teria problemas em decorar o nome de todas estações e apeadeiros das linhas que atravessavam Portugal, e até o faria com o maior prazer.
Sabemos que o André ia apreciar e dar sentido a toda a parafernália ferroviária que se encontra junto à antiga estação de Marvão-Beirã: enormes parafusos de ferro, travessas de madeira, alavancas, guindastes, sinalética, mais uma série de coisas que não sei nomear.
Mas não é preciso ser amante de comboios para nos apaixonarmos à primeira vista pela Train Spot. De certeza que os haverá entre aqueles que se alojam nesta acolhedora guesthouse, mas muitos serão como nós, simples aventureiros em busca de um lugar que fuja da norma.
Chegámos num final de tarde de agosto, 35º à sombra, pouca vontade de passear. Depois de levados aos apartamentos, voltámos à frescura da sala no edifício principal. Tínhamos, por agora, o sítio todo por nossa conta, e vasta escolha de recantos entre cadeirões, sofás, almofadões no chão junto às janelas ou as mesas onde será servido o pequeno-almoço do dia seguinte, onde um tabuleiro de xadrez aguarda pelos meus movimentos distraídos.
Enquanto os adolescentes da família consultam a net, eu navego por prateleiras e armários, muito bem recheados com revistas, livros sobre a região, variados jogos. Há vinhos da região no bar honesto, cerveja fresca no frigorífico, chá, café e um cestos de fruta à disposição dos hóspedes na cozinha. Uma parte da casa que fará a delícia dos que ainda se lembram das caixas coloridas de plástico com as palavras “açúcar”, “farinha”, “arroz” que fizeram parte do cenário da nossa infância. Aliás, tirando alguns eletrodomésticos mais modernos, tudo nesta divisão nos remete para o passado, desde o fogão de ferro aos mais diversos utensílios culinários.
Parte do mérito da Train Spot está precisamente aí. Na transformação do edifício onde em tempos funcionou o restaurante da estação procurou conservar-se o mais possível, dos azulejos do chão e das paredes à porta com passa-pratos ou ao vidro com a inscrição “lavabos” no acesso ao WC. O resto foi-se adaptando ao conforto atual privilegiando os materiais locais e alguns apontamentos de decoração que lhe dão muita graça, como os objetos de antiquário e a velha bicicleta pendurada no teto.
Mas voltemos à cozinha, onde descobri uma cerveja artesanal – Barona – produzida na aldeia ao lado. Com o sol a descer, partilhei-a com o marido no alpendre, enquanto os adolescentes percorriam os carris do ramal de Cáceres, encerrado definitivamente em agosto de 2012, data da última passagem do comboio hotel Lusitânia que fazia a ligação de Lisboa a Madrid. Precisamente um ano depois, Lina da Paz e Eduardo inauguravam este lugar que tem visto crescer os seus dois filhos, ainda pequenos e com muita vontade de brincar.
E não faltam sítios para as crianças se entreterem. No relvado que divide o edifício principal dos apartamentos há um grande relvado com árvores que dão sombra a uma caixa de areia, cadeiras de recosto e uma cama de rede, há pátios para correrias e toda uma linha abandonada para treinar o equilíbrio.
Foi o que fizemos, quando anoiteceu e resolvemos ir a pé ao restaurante da aldeia, o “Sabores do Marvão”. Seguimos sobre os carris a inspirar o cheiro intenso das figueiras, vendo as ocasionais andorinhas a regressarem ao ninho enquanto o sino da igreja marcava as horas com alguns minutos de atraso. O que não importa nada. Em lugares assim o relógio deixa de fazer sentido e o tempo alonga-se, ao ritmo de um pachorrento pouca-terra, pouca-terra.
Como é a Train Spot Guesthouse?
“No sopé do Marvão, uma antiga estação foi transformada numa guesthouse muito acolhedora, que conserva todas as marcas do seu passado ferroviário recente.” Ana Pedrosa
Localização
Situada na aldeia de Beirã, a 9 kms de Marvão e a 12 kms de distância de Castelo de Vide, em pleno Parque Natural Serra de S. Mamede, a Train Spot Guesthouse é um excelente ponto de partida para explorar as belezas do Alto Alentejo. A partir daqui, pode aproveitar para deambular pelas ruas dessas localidades, para passear calmamente ao longo da linha abandonada ou pelas estradas pacatas da região, para provar a gastronomia ou até para cavalgar por calçadas medievais e rotas de contrabando.
Na próxima primavera é provável que haja bicicletas sobre carris que vão permitir percorrer o troço de linha ente a Beirã e Castelo de Vide.
Morada: Estação Ferroviária de Beirã/Marvão, Largo da Alfândega, 7330-012 Beirã
Quartos
No edifício principal a guesthouse conta com 7 quartos, 4 deles com casa de banho privativa, os restantes a partilharem uma casa de banho no corredor. Com uma decoração simples e alegre, recorrendo a materiais locais (são alentejanas as mantas da cabeceira), têm cama king size que pode ser transformada em duas individuais, tendo possibilidade de juntar uma cama extra.
Os dois apartamentos, com capacidade para 4 pessoas cada, ficam em moradias térreas, com quarto, sala com sofá-cama, wc, cozinha e um agradável jardim exterior, com mesa e cama de rede debaixo de uma parreira.
Atmosfera
O ambiente é descontraído, tranquilo, frequentado por hóspedes de origem eclética. Na altura da estadia partilhámos a guesthouse com famílias com crianças de várias idades, com jovens estrangeiras que exploravam a região de mochila às costas, casais de faixas etárias que iam dos 20 aos 70. Seja pelo ambiente de nostalgia ferroviária, pela originalidade do alojamento ou simplesmente porque fica num lugar sossegado, creio que agradará à maior parte das pessoas, exceto aos que procuram lugares de luxo e requinte.
Pequeno-almoço (café da manhã)
Servido na sala principal, com portas abertas para a linha de comboio, o pequeno-almoço tem o que é preciso para satisfazer necessidades e paladares individuais. Além dos habituais chá, café, leite e sumos, há bebidas vegetais para os que evitam laticínios. Pães variados, manteiga, compotas, queijos, fiambre e presunto, iogurtes e diversos tipos de cereais, complementam a oferta do serviço self-service. Na cozinha há também ovos disponíveis para serem preparados ao gosto de cada um.
Conclusão
- Pontos fortes: O bom gosto da recuperação do edifício centenário, mantendo as marcas do passado e o seu carácter ferroviário.
- Pontos fracos: Com as altas temperaturas que se fazem sentir no verão, as noites podem ser desagradáveis nos quartos sem sistema de arrefecimento. O sofá-cama dos apartamentos tem molas duras e pouco confortáveis.
- Em resumo: Um lugar descontraído, de bom gosto e inspirador. Ótimo tanto para descansar como para partir à descoberta pelos caminhos da raia.
- Preço: a partir de 40€ · Ver preços
- Ideal para: Quem gosta de comboios ou alojamentos temáticos. Para famílias, casais recentes e antigos, mochileiros de passagem ou quem procura cenários singulares para sessões fotográficas.
- Data da estadia: ago. 2017