Quinta do Vallado
Não é obrigatório gostar-se de vinho para se ter uma experiência memorável na Quinta do Vallado, mas se apreciarmos o néctar dos deuses a estadia terá outro sabor. É que a propriedade foi uma das muitas quintas que pertenceram a Maria Antónia Ferreira, conhecida na região como Ferreirinha, empresária de exceção no Douro vinhateiro durante o século XIX.
Enquanto passeava ao entardecer pela quinta, indagava por onde terá andado esta mulher, determinada e corajosa, que venceu o Douro pelo cansaço. Quais seriam os seus recantos preferidos? Será que foi ela a plantar este viçoso roseiral?
Chegámos um par de horas antes do check-in, a tempo de um almoço leve. É preciso explicar que, no Norte do país, uma refeição ligeira inclui tábuas de queijos e enchidos, croquetes e rissóis caseiros, e uma alface acabada de apanhar na horta. Molha-se, sem preconceitos, o pão no azeite da quinta e acompanha-se a refeição com um branco moscatel do Vallado. A primavera começa a dar frutos. Ouvem-se e veem-se melros em cima das flores, e sou invadida de uma paz como poucas, apesar de ter vindo aqui em reportagem. Mais tarde dormirei embalada pela música do rio Corgo, um afluente do Douro que passa aos pés da Quinta do Vallado. Até lá, faço fotossíntese na esplanada do restaurante, acabo uns textos que estavam “pendurados” e agradeço à vida esta profissão presentear-me com lugares como este.
Sugerem-me que visite o vizinho Miradouro de São Leonardo da Galafura que, no cimo dos seus 640 metros de altitude, olha embevecido para a Serra do Marão. O momento convida à introspeção, e percebe-se que na literatura de Miguel Torga se encontre a terra desta paisagem coberta na maioria por vinha.
Regresso ao Vallado à hora do crepúsculo, quando o céu fica em tons rosados. Dos treze quartos da Quinta – oito num edifício design e cinco no edifício setecentista – coube-me o quarto na casa antiga, recentemente remodelada. Decorados num estilo mais clássico, os aposentos da casa Mãe oferecem a mais-valia de ter uma porta que dá para o jardim. Sento-me à soleira da porta a observar a rega, enquanto o sol cai atrás dos montes que compõem o vale do Douro. Como uma das laranjas – um sol em tamanho pequeno – que me deixaram em cima da cómoda. Não sei se é da envolvente, mas parece-me a laranja mais doce que comi na vida.
O festim do palato será ao jantar. Nas entradas, a verdadeira alheira de Mirandela e bola de Lamego, para depois comermos, como se não houvesse amanhã, um cabrito assado em forno a lenha com batatinha assada e arroz de forno. Ficará na memória uma geleia de menta que parece cortar toda a gordura do prato.
Depois de tal banquete haveria de ir a pé até ao Porto ou então dar três voltas à quinta, para que o pecado da gula não estivesse tão presente nesta refeição. Digo o ato de contrição três vezes e deito-me na cama imaculada do meu quarto Verde do século XVIII.
No dia seguinte tenho encontro marcado com Francisco Spratley Ferreira, que me dará uma primeira lição de vinho. Numa adega com apetrechos topo de gama, aprendo que o xisto, esta pedra dura e escura, permite que as raízes da vinha absorvam o calor durante o dia e o libertem à noite. Esta qualidade do solo com muita pedra e pouca terra é propícia a produzir vinhos de maior qualidade. Acredito piamente no que me diz, já de copo de vinho na mão. Lá dentro está o Adelaide 2011, o ex-líbris da casa. Um vinho que acontece só em anos excecionais. As papilas gustativas apercebem-se disso e mastigam este sabor que se prolonga na boca.
Nesta visita, retenho também como se faz um Porto tónico, receita que partilho convosco para que façam um brilharete nas noites quentes de verão. Juntem a um terço de vinho do Porto, dois terços de água tónica; piquem um ramo de hortelã-pimenta q.b. e finalizem com umas gotas de lima.
A lição continua em Peso da Régua, no Museu do Douro. Obrigatório é também o passeio de comboio Régua – Pinhão, e o passeio de barco patrocinado pela Pipadouro, onde a paisagem duriense passa à velocidade de um filme em câmara lenta.
À tardinha, na varanda do edifício antigo, concebida por Eduardo Souto de Moura, João Alvares Ribeiro, outro descendente da lendária D. Antónia, explica-me porque é a Quinta do Vallado é muito mais que um hotel de enoturismo. Aqui, o objetivo é proporcionar experiências únicas. Num futuro próximo “a parte didática será mais desenvolvida”. Os hóspedes serão convidados não só a comer, como a ir buscar os produtos à horta e a aprender a cozinhar. Não só a beber vinhos de exceção, mas a aprender como se trata a videira.
Penso que Maria Antónia Adelaide deve estar feliz. A sua herança não foi só bem guardada. Deu frutos. Corre no sangue destes rapazes do Douro a perseverança da trisavó, qualidade que se vê em todo os pormenores do projeto.
Como é a Quinta do Vallado?
“Se as quintas têm alma, a da Quinta do Vallado tem a de Dona Antónia Ferreira. Os tetranetos ficaram para contar a história do que fizeram à herança desta empresária de exceção da região do Douro.” Maria João Veloso
Localização
A Quinta do Vallado fica em pleno Douro vinhateiro, a cerca de três quilómetros e meio da cidade de Peso da Régua e 99 quilómetros do Porto. Esta é uma belíssima aposta para explorar a região duriense. Não deixe de apanhar o comboio Régua – Pinhão, ou de comer os rebuçados típicos da terra. Um passeio de barco pelo rio não deverá falhar. Com a empresa Pipadouro embarquei numa viagem ao Douro Antigo. Escusado será dizer que a lição não ficará completa sem se visitar o Museu do Douro, sediado na Antiga Casa da Companhia criada pelo Marquês de Pombal em 1756. Outra viagem absolutamente extraordinária é o restaurante DOC, do chef Rui Paula, onde se experimentam sabores inesperados.
Morada: Vilarinho dos Freires, 5050-364 Peso da Régua
Quartos
Dormi num quarto do século XVIII com uma decoração a condizer. Numa cama de lençóis de algodão irrepreensivelmente esticados, caí redonda num ninho de almofadas onde tinha planeado horas de leitura. Leitura zero, sono três. Lá em baixo, o burburinho do Corgo ajudou na anestesia. A Quinta do Vallado dispõe de 13 quartos. Cinco na casa materna, onde fiquei a sonhar com outros tempos, e oito num edifício de xisto virado para o futuro. Neste novíssimo edifício, os oito quartos têm uma decoração com design escandinavo dos anos 60, que nos remete para os cenários de Tom Ford, no filme Homem Singular.
Atmosfera
Na Quinta do Vallado fazem-se duas viagens no tempo. Na primeira, rumo ao século XVIII. Espio as roseiras em frente ao setecentista edifício ocre, cor que resulta de uma receita antiga que mistura cal com sulfato de cobre. Cheira a flor de laranjeira, à terra molhada da rega. Na segunda viagem, aterramos num século XXI aerodinâmico e futurista. Equipada com maquinaria do século XXI, a adega é dotada de isolamento térmico para que o vinho saia em condições de exceção, como pude comprovar à mesa. O edifício de xisto, projetado por Francisco Campos Ferreira, tem zonas comuns de extremo bom gosto. Aqui ficam a sala de jantar, as dependências comuns e também fotos a preto e branco do Douro e das suas gentes, tiradas pelo pai de João ao longo do século XX.
Pequeno-almoço (café da manhã)
Na Quinta do Vallado o pequeno-almoço é farto. À disposição, além da fruta da época, há manga, kiwi, meloa e ananás. Não falta sumo de laranja natural a desfazer-se em açúcar, ovos mexidos das galinhas da quinta, feitos na hora por Dona Remédios ou Dona Zita. Para quem quiser continuar a pecar, há bolos caseiros que podem ser de chocolate, ananás ou laranja. E o pão acabado de cozer, ou o não menos guloso pão do Padronelo, que derrete a manteiga de tão sedutor. Se ainda houver estômago, há compotas de frutos, requeijão e queijos caseiros.
Conclusão
- Pontos fortes: A morada e respetiva paz. Os barulhos da natureza, a beleza ocre desta quinta setecentista povoada de história de pessoas ligadas ao Douro vinhateiro, como Ferreirinha ou o Barão de Forrester.
- Pontos fracos: Não ter sido sugada pela paisagem.
- Em resumo: O “lugar” para inveterados ermitas, curiosos, amantes de vinho e de enologia, apreciadores das coisas boas da vida.
- Ideal para: Casais, famílias, apaixonados por história.
- Preço: desde 100€ duplo · Ver preços
- Data da estadia: abr. 2014