Herdade da Cortesia: ouro (da terra) sobre azul (da água)

Herdade da Cortesia

Gosto dos barulhinhos da Natureza e também de alguns sons que o homem do campo lhe acrescentou. Deu-me para pensar nisto deitada numa espreguiçadeira junto à da piscina da Herdade da Cortesia.

O mote foi-me dado pelos chocalhos do gado, o canto dos cucos e o grito das cigarras, banda sonora perfeita para um fim de tarde de primavera que devia entrar em looping e não acabar mais. O quadro ficaria completo com o sol a cair ali em frente, na barragem do Maranhão, onde as seleções internacionais de remo fazem os seus treinos. O remo foi, aliás, o ponto de partida deste hotel, pensado para ser um centro de estágios. O potencial era tanto que os cinco sócios por detrás do projeto resolveram também abrir as portas da herdade aos comuns mortais. O hóspede ficou a ganhar.

Eu que o diga, quando à noite, já deitada, fiz um autêntico reconhecimento de terreno pela cama – king size -, pensada para receber atletas altíssimos e bem constituídos. Os lençóis 100% de algodão proporcionaram-me um sono reparador. Talvez o mais curto da minha vida. É que na manhã seguinte comprometi-me a estar pronta às sete da manhã para um passeio de balão.

A dificuldade de acordar com as galinhas foi recompensada. Depois de ver o sol nascer sobre a branca vila de Avis, subi aos céus num balão de ar quente. A sensação de voar com os cabelos ao vento é indescritível, a paisagem lá em baixo cheia de relevo, com os seus verdes e amarelo-torrado, lembrava os quadros de Vincent Van Gogh. Os sobreiros vistos de cima pareciam viçosos raminhos de brócolos. No meio desta “horta”, que separa as barragens do Maranhão e Montargil, consegui descobrir um pequenino filão de formigas. O homem “do leme” que nos guiou nesta viagem esclareceu-me que se tratava de uma família inteira de javalis. Afinal ainda há vida selvagem no Alentejo.

O voo terá sido o grande momento da minha estadia na Herdade da Cortesia, aquele que nos dias seguintes repeti pormenorizadamente à família e aos amigos. Houve, no entanto, outras pequenas (grandes) alegrias que me embalaram aquele par de dias e me deram alento. Uma delas foi ter encontrado na varanda do meu quarto duas bolas de pelo aninhadas uma na outra. Soube no dia seguinte serem dois rafeiros alentejanos bebés, e foi por um triz que não os levei comigo para a cama.

Poderia ter dúvidas se este encontro realmente se deu, não só devido ao adiantado da hora, mas por causa dos efeitos que a boa gastronomia pode ter “num corpinho de pouco alimento.” No Alentejo come-se bem e bebe-se melhor. Foi isso que fiz no restaurante 180º, dono de uma vista deslumbrante para a planície. Da fusão entre a cozinha alentejana e internacional recomendo as sopas de tomate e as costeletas de borrego com migas de espargos. Quem achar o receituário regional muito pesado, opte pelo estrangeiro caril de camarão, cujo tempero estava no ponto. Desenjoei com a ajuda de um gelado de lima com morangos salpicados, olhei o céu estrelado, vi cachorrinhos na minha varanda e, tal e qual como as crianças, evitei adormecer.

A Herdade da Cortesia é daqueles lugares que pensamos que já deixaram há muito de existir. O mais difícil da estadia foi mesmo fazer o check-out. O cuco continuava a marcar o compasso. A Natureza parecia dizer “cá te espero”. Ainda não voltei à Cortesia desde então, mas tenho pena.

Localização

A Herdade da Cortesia fica a um quilómetro da vila histórica de Avis, no distrito de Portalegre. A vizinha Mora e o respetivo Fluviário ficam a apenas meia hora de carro. Navegar pelo curso do rio ibérico, ou saber mais sobre os hábitos das lontras valem, só por si, a viagem. Além disso, o parque ecológico do Gameiro – onde fica o Fluviário – tem boa pinta para piqueniques. Há a possibilidade de não arredar o pé do hotel. Passeios a cavalo, de barco ou bicicleta são alguns dos programas propostos para passar o tempo. Se quiser inventar qualquer outra atividade que não venha no menu, já sabe, peça ajuda à gerência.

Morada: Herdade da Cortesia, 7480-102 Avis

Quartos

São apenas 30 quartos e ainda bem. Ficam situados no piso térreo e têm vistas desafogadas para a vila de Avis, para a planície ou para a piscina. Ali sobressaem os tons da terra, celebra-se a cultura alentejana através das texturas e da paisagem que entra generosa através das janelas. Cada quarto tem personalidade própria por isso em cada estadia poderá experimentar diferentes atmosferas. Para não perder pitada desta evasão, por cima da banheira da casa de banho pode contar com mais uma moldura da paisagem. Tomar um duche com vistas incríveis é estupidamente calmante. As ameneties L’Occitane ajudam à festa.

Atmosfera

Na Herdade da Cortesia eliminaram-se todas as coisas chatas que aborrecem as estadias. Não há horas para o pequeno-almoço, nem se cobra mais por um late check-out. Além disso, os pedidos dos hóspedes são ordens. O ambiente é cool e não é preciso andar a correr, porque – com exceção do passeio de balão, com hora marcada – não terá nenhum compromisso inadiável. Contemporânea, a decoração puxa os tons da terra e oferece ambientes confortáveis para tirar o máximo partido da Natureza circundante. O hotel tem uma forma orgânica, como se tivesse brotado ele próprio da paisagem.

Pequeno-almoço (café da manhã)

Se me apetecesse podia tomar o pequeno-almoço às cinco da tarde. Não foi o caso, em vez disso tomei dois no mesmo dia. Um mais rápido, antes do passeio de balão, e outro tipo brunch, quando cheguei à sala do restaurante 180º, por volta do meio-dia. O primeiro foi frugal, com todas as características do continental, enquanto o segundo suplantou todas as expectativas. Ovinhos mexidos do campo, paio e queijo locais, compotas feitas por uma avó e um sumo de laranja naturalíssimo.