Casa do Conto
À primeira vista não o percebo, mas direi que foi à terceira ou quarta miradas. Aquele sofá, aspeto decididamente retro e despojado (madeira e almofada negra) tem um posicionamento estratégico. Deixo-me cair nele, pernas encolhidas de lado (e não sei porquê, não é habitual) – é estratégico para ler o teto. Não é um conto, mas poderia ser.
“Escada acima, escada abaixo, criadas, serões alegres e dias tristes que a vida também os tem. Casa adentro outra voz o teto de gesso pintado de falsa madeira. Presenças que habitam os lugares e que só se revelam por traços fugazes, luzes e sombras ou súbitas matérias que remetem para o lugar vazio de outras que sempre lá estiveram. O arquiteto é um fingidor.”
Não foi um arquiteto, mas um geógrafo, Álvaro Domingues, que escreveu estas linhas que pairam no meu quarto como outrora pairavam estuques nos tetos. As palavras cofradas no betão são uma das características mais distintivas desta Casa do Conto, hotel de charme em antiga casa burguesa do Porto oitocentista. “Arts & residence” segue-se ao nome deste hotel refletindo as ambições artísticas de uma casa que é ela própria uma obra de arte. Recheada de “obras de arte”: a enorme escadaria que trepa até uma claraboia espiralada é como uma instalação de betão (com remate de metal e couro no corrimão), ou não fosse ela “balançada” – ou seja, não toca estrutura.
Chego ao início da noite e o silêncio é de biblioteca. Ao quarto, chega o barulho longínquo de um trânsito vago, algo a riscar quase constantemente a noite; no resto da casa parece que ando em bicos de pés para não perturbar – na sala de estar, a televisão ecrã gigante funciona para ninguém. Numa carapaça antiga, o interior da Casa do Conto é radicalmente contemporâneo. Tanto o é que exibe as suas entranhas despudoradamente: veja-se o elevador com teto de vidro que dá a sensação de mergulho em entorno de betão e branco imaculado.
Não fora o design de interiores e este poderia ser um espaço frio, seco, duro. Mas são o mobiliário e a decoração os twists que transformam esta arrojada experiência arquitetural numa casa confortável, elegante – o conjunto é uma experiência memorável. As peças de mobiliário têm design nórdico, vintage, e são habilmente combinados com ousadias barrocas – as vezes a fingir, como a talha dourada ou o mármore que são, afinal, pintados. A sala é o sítio da casa onde se vive melhor o seu espírito: um salão burguês revisitado, onde me sinto confortável entre sofás retro, cadeirões de cabedal marcado pelo tempo, piano, espelho dourado encostado à parede – estendo-me na chaise-longue de veludo negro e passo os olhos pelos jornais e revistas que se espalham em mesas baixas.
Não volto ao quarto sem passear pelo pequeno jardim, que começa em pátio granítico para seguir em relvado à noite iluminado por focos e cubos como candeeiros. Manhã cedo, o sol, tímido, ilumina cadeiras, cadeirões, espreguiçadeiras. Há mantas para que o frio não assuste ninguém. Mas essa é uma experiência para uma próxima visita.
Como é a Casa do Conto?
“É uma experiência memorável (e eminentemente urbana) a estadia na Casa do Conto. Uma casa burguesa do século XIX transformada em casa burguesa do século XXI, com arquitetura arrojada e decoração eclética a captar na perfeição l’air du temps.” Andreia Marques Pereira
Localização
A Casa do Conto fica na Rua da Boavista, a umas centenas de metros da rotunda homónima e a caminho da Baixa-Clérigos. Suficientemente perto para se caminhar até esta zona, onde o turismo e o lazer fazem o seu (novo) quotidiano, distante o q.b. para estar à margem dessa movimentação. Na Rua da Boavista ainda se pode sentir o pulsar original da cidade de comércio e serviços, não faltando lojas originais que pouco mudaram nas últimas décadas.
Morada: Rua da Boavista 703, 4050-110 Porto
Quartos
A Casa do Conto não tem quartos, tem suites. São seis no total, duas por piso: uma virada para a frente (Avenue), uma virada para as traseiras (Residence). A minha foi uma Residence e o ponto mais distintivo em relação às que olham a rua é a existência de antigas marquises, onde nichos graníticos recebem uma pequena kitchenette, com máquina Nespresso, por exemplo (não se servem refeições na Casa do Conto além do pequeno-almoço) e o resto é uma pequena sala. O quarto em si era espaçoso q.b, com um pé direito alto, mobilado à medida certa e, sobretudo, no tom certo: um longo sofá, um armário vintage onde assenta o LCD e se prolonga num pousa malas, vários pontos de iluminação vindos de candeeiros de design e uma cama de medidas generosas com colchão de chorar por mais tempo nele. A grande originalidade são as casas de banho – e a solução é transversal a todas as suites: um “casulo” de betão colocada dentro dos quartos (na cabeceira da cama), irrepreensivelmente moderna e com luz “natural” a entrar pelo teto, com duas “gotas” transparentes.
Atmosfera
Na Casa do Conto vive-se o discreto charme da burguesia em cenário depurado, contemporâneo e eminentemente urbano. Na noite em que ali estivemos, não nos cruzámos com ninguém e a tranquilidade pairava por toda a casa. No entanto, não asseguro que seja sempre assim: o cesto de brinquedos na sala pode ser um sinal; e a ideia de “residência artística” também. A sensação com que fiquei foi a de que estava a habitar um projeto artístico vanguardista – e isso não foi mau.
Pequeno-almoço (café da manhã)
O pequeno-almoço é servido no “rés-do-jardim” que é também o andar -1 da casa. Aqui, um aparador enche-se de pães, croissants, brioches, iogurtes, fruta, sumos, cereais e mini-panquecas, cada dia com sabor diferente – calhou-me de pêssego.
Conclusão
- Pontos fortes: o espaço (arquitetura e decoração); tranquilidade; conforto.
- Pontos fracos: o estacionamento é serviço extra.
- Em resumo: uma oportunidade para viver as ousadias arquitetónicas da cidade do Porto e um bom ponto de partida para conhecer a cidade.
- Ideal para: amantes da arquitetura; casais jovens.
- Preço: desde 88€ duplo · Ver preços
- Data da estadia: out. 2011