Palacete Chafariz D’El Rei
Agora, ao escrever, dez dias mais tarde, de memórias frescas e já dominado pelo melhor da viagem, a recordação, penso em cada instante passado no Palacete Chafariz D’El Rei. Penso como quem saiu de um sonho de uma noite de Inverno ainda pasmado com a existência de um lugar assim, tão ilustre, tão magnífico, tão simples e efetivo na sua riqueza, incógnito no coração da velha cidade mourisca.
Visto da rua do Cais de Santarém, ou de mais longe, do Jardim do Tabaco, quase nada desvenda a sua opulência, exceto pela frente marmoreada de uns dez metros ou mais a pique e por um jardim de ramadas finamente aparadas de onde, nas Primaveras e Outonos, ou em finais de tarde de Verão, o comum dos mortais se pode oferecer o prazer de um chá (ou mazagrã) enquanto se regozija com a borla da paisagem e se dá por feliz com a vida de viajante. Há 100 anos foi obra perseguida, atacada por espíritos tacanhos que o diziam aquém dos estereótipos da cidade fossem eles quais fossem. Quando o tempo o condenava à ruína, os telhados sucumbiam, as paredes soçobravam, dois amigos deram-lhe o novo sopro de vida agora ao dispor de viajantes amantes de lugares de memória rigorosa. Lugares do belo, do luxo (sem delírios), do afã de fazer bem e bonito, como é toda a obra de amor maduro.
Se tivermos que lhe dar um nome na hierarquia dos hotéis será o de Home Boutique Hotel, essa variante da hotelaria onde o hóspede é tratado como um da casa enquanto se lhe oferecem os mais requintados serviços. O número de quartos também conta aqui, e são apenas seis. Seis suites palacianas dispostas por dois pisos, todas distintas em tamanho, decoração e jogos de luz a quem foram dados nomes de gente viva.
Quem chega é levado a pensar que tudo estava lá, coberto de pó, a estragar-se, condenado a desaparecer, antes de chegarem os salvadores. Mas quase nada lá estava, a não ser as paredes e a alma neo-mourisca ao estilo da chamada Arte Nova Brasileira, a paixão do primeiro proprietário, que como todas as sementes lançadas à terra com paixão e verdade perdurou.
A quem se aconselha um hotel assim que é casa, palácio e morada de família? A quem gosta de se instalar em morada discreta, esplêndida mas longe das espampanâncias, sabendo que será tratado nas palminhas e ganhar ali assento de amigos. Coube-me quarto altaneiro, de frente de janelas baixas na medida certa do estar deitado, janelas amplas e viradas ao Tejo logo ali, quarto ainda rasgado de luzes e matizes dignos de atelier de pintor ou escultor.
Mergulhado no amor à arte de viver para contar mal dormi, perpetuando o amor à madrugada, querendo prolongar os doces prazeres da noite até ao alvorecer. Ver então como quem medita os barcos a passarem ao largo como pequenos pirilampos ou nuvens vagarosas no seu caminho sem neles me deter. Ver a ponte sempre bela, sempre maravilhosa com porte de rainha, por mais que se a veja. Ouvir o marulhar do rio que se ouve de janela fechada e não é fruto da fantasia nem de nenhum truque de prestidigitação. E assim passou uma noite monegasca, começada plebeiamente nas ruas e vielas de Alfama, a terra berço do fado, cercada de destinos cruzados, de caminhos que se bifurcam, de meandros desconhecidos mesmo para um lisboeta antigo, e o prazer sempre renovado do encontro de amor com a cidade e o sonho.
Prometi voltar para quando abrisse a casa de chá (que está para breve) e ali levar as minhas histórias de viajante, sabendo que por onde quer que ande a partir de agora terei a história de uma maravilhosa noite no Palacete do Chafariz d’El Rei para contar com orgulho em qualquer parte do mundo.
Como é o Palacete Chafariz d’El Rei?
“Coube-me quarto altaneiro, de frente de janelas baixas na medida certa do estar deitado, janelas amplas e viradas ao Tejo logo ali, quarto ainda rasgado de luzes e matizes dignos de atelier de pintor ou escultor.” Tiago Salazar
Localização
O Hotel Palacete Chafariz d’El Rei está localizado numa das principais artérias de Alfama, embora a entrada se faça por uma rua discreta das traseiras. É um hotel adequado para quem procura o conforto de um hotel de luxo e um passeio pela história.
Morada: Tv. Chafariz d’El Rei 6,1100-140 Lisboa
Quartos
Dispõe de seis suites luxuosas com vistas únicas sobre o rio e a cidade, onde, se assegura, e pudemos comprovar, o conforto e o bom gosto de uma casa particular. Fui instalado na Suite Paula, no segundo piso, que em tempos foi o quarto-casa dos donos, equipado com uma pequena cozinha, sala de estar e jantar e um deslumbrante quarto de dormir.
Atmosfera
O Palacete do Chafariz d’El Rei não é um hotel children friendly, mas aceitam-se animais de estimação. De resto, a sensação em todas as alas é de estarmos numa casa (solar, palacete) de amigos.
Pequeno-almoço (café da manhã)
A casa esmera-se no serviço e serviço é a refeição inaugural do dia. Uma sala palaciana, como seria de esperar, fronteira ao jardim e às ameias sobre o Tejo, espera o hóspede já conquistado de alto a baixo por todo o edifício. E discorrem então os mimos, de uma autêntica carta de pequeno-almoço de condes e marqueses, com direito a meia dúzia de variedades de pão, queijos, enchidos, sumos naturais, chás de marca (Marriage Frères) e doçaria do dia. A simpatia dos empregados voltou a marcar pontos e deixámos a sala a chorar por mais.
Conclusão
- Pontos fortes: a decoração, o conforto, a qualidade do serviço.
- Pontos fracos: nenhum a assinalar.
- Em resumo: hotel ideal para românticos e apaixonadas por restauro.
- Ideal para: casais.
- Preço: desde 145€ duplo · Ver preços
- Data da estadia: jan. 2014